medo e ignorância no controlo policial

This post was originally published on a separate website, but its contents relate to SPCC's story

 From: starstuffharvestingstarlight <joao@hipercubo.net>
 Date: 2011-02-15 05:46:11
Title: medo e ignorância no controlo policial
   To: philosopherbagpiper.com/archives/119

(today i’ll be writing in another language, you can google translate it)

Sem querer ser especialmente concreto em termos de exemplos, há neste momento um método altamente duvidoso de controlo por parte da polícia portuguesa. Este baseia-se exclusivamente no facto dos cidadãos desconhecerem os seus direitos.

Mais que uma vez, durante um processo legal de ocupação, os agentes da autoridade entram sem autorização no imóvel e ameaçam directamente os ocupantes. Estes são insultados e encorajados a reagir violentamente, e expulsos à força do imóvel ocupado.

Dado que estamos a lidar com, na sua maioria, jovens, estes não têm os conhecimentos necessários dos seus direitos para reagir adequadamente e expressar a sua cidadania. Para piorar a situação, os agentes da autoridade mostram pouca (ou nenhuma) tolerância, e na maior parte das vezes, total desconhecimento da lei portuguesa. Aproveitam-se também do nervosismo dos ocupantes para extrair falsas confissões, aproveitando-se do facto da maioria dos cidadãos não saber que ocupar não é crime em certas circunstâncias. Isto é feito dizendo coisas como “vocês estão aqui ilegalmente” ou “vai tudo de cana”, quando na verdade em Portugal somos inocentes até que se prove o contrário. Mas assim que um ocupante se auto-incrimina num crime que não existe a polícia usa imediatamente isso como argumento.

Alguns agentes mais hábeis extraem a pseudo confissão de um crime inexistente perguntando coisas como “mas vocês sabem que estão a fazer uma coisa ilegal?” ou “têm consciência de que não podem fazer isto?”. Note-se que isto é um teste à boa fé do ocupante. É essencial que o ocupante esteja bem ciente dos direitos e das coisas que não deve dizer.

Não existe qualquer contexto para expulsar um cidadão de uma propriedade se a ocupação está nos termos da lei (ver Secção II (Usucapião), Capítulo VI, Título I do Código Civil da República Portuguesa), na situação em que o dono está ausente ou pura e simplesmente não quer saber, não existe ou está morto sem herdeiros. É o proprietário que terá de accionar os meios para despejar os ocupantes e não a polícia. Frequentemente, o próprio dono não quer saber e prefere ocupação por pessoas de bem a ocupação por agarrados.

Durante a nossa ocupação do SPCC, por várias vezes tivemos visitas deste género. A primeira, normalmente a que vem fingir ilegalidade e intimidar, foi inicialmente feita por dois agentes da judiciária e vários PSPs. As perguntas que referi acima foram feitas aos ocupantes de forma a criar situações incriminatórias. De qualquer forma, julgo ser oportuno referir alguns princípios base para evitar situações de despejo ilegal.

  1. Portugal não é a alemanha ou a holanda onde a brutalidade policial contra ocupas é legalizada e os ocupas são terroristas profissionais. Em portugal, é preciso esquecer os estereótipos do “ocupa e resiste” de outros países. É preciso entender a realidade legal portuguesa como especialmente tolerante nestas situações e, consequentemente, a ausência de poder por parte das autoridades;

  2. Em portugal a maioria dos polícias são mal pagos, trabalham demais, e vêm de uma classe baixa. Isto quer dizer que o discurso de esquerda, unificador de consciência de classe é essencial para uma boa negociação com a polícia. Gritar e chamar nomes e faltar ao respeito é completamente inútil. É importante encarar os agentes da autoridade (no fundo, trabalhadores precários como muitos de nós com a excepção de uns meses de lavagem cerebral) com respeito e tolerância. Muitos deles são inexperientes, mal treinados ou pura e simplesmente inocentes nos juízos que fazem das situações. Note-se que este princípio não vale para os “chefes”, que são basicamente autoritários (por definição) e faltam permanentemente ao respeito aos cidadãos (note-se que os chefes são classes baixas que “subiram” na vida, fazendo por pertencer mais às classes dominantes que às trabalhadoras);

  3. É essencial manter a calma, não estar bêbado ou com uma moca do caralho. Está claro que com uma granda moca é impossível negociar decentemente com a polícia. A polícia usa luzes bastante fortes para analisar a linguagem corporal dos ocupantes e verificar se estão com comportamento perigoso (por isso é que nos apontam sempre a luz à cara). Tenham disciplina e fumem a ganzita quando estiver tudo calmo. Não é ilegal fumar ganzas nem beber (nem oferecer copos aos agentes), portanto basta que tenham apenas para consumo próprio e não estarão a incorrer em nenhuma ilegalidade. Mesmo que a polícia faça ameaças, basta que digam que têm para consumo próprio. O pior que vos pode acontecer é irem a um psicólogo pago pelo estado, o que até pode ser visto como uma coisa boa em alguns casos;

  4. Definir um porta voz que conheça as leis e os direitos e que saiba falar com calma e resistir aos insultos policiais. Muita gente a falar e nervosa aumenta a probabilidade de alguém fazer merda. Cuspir num polícia, chamar-lhe nomes, atirar-lhe pedras, qualquer uma dessas situações de desrespeito à autoridade é suficiente para levarem todos para a esquadra ou levar porrada. Falar calmamente, tratar o agente com respeito e tolerância, referir o que se faz racionalmente é essencial para uma boa negociação. Atenção que é preciso sempre manter a calma, porque a polícia irá constantemente referir ilegalidades, muitas vezes inexistentes, e ameaçar com prisão ou violência. Basta que digam coisas do género “senhor agente, agradecia que não me faltasse ao respeito, sou um cidadão e pago os meus impostos” ou coisas do género. Se não vos disseram boa noite, dizem vocês “boa noite, como está”. Por estranho que pareça, a educação vale muito para estabelecer os termos da negociação;

  5. Permitir que os agentes entrem na propriedade. Sei que a maior parte dos ocupas odeia esta ideia, mas eu tenho uma opinião diferente. Se não têm agarrados nem estão a fazer molotvs e bombas, qual é que é o problema? Os polícias são trabalhadores explorados como nós. Sejam hospitaleiros, convidem as pessoas a entrar, expliquem o projecto de ocupação e as motivações. No SPCC um dos polícias que nos visitou até disse que acreditava na anarquia (sim, um polícia anarquista!). Mostrem que estão a exercer a vossa cidadania e que estão apenas a reivindicar os vossos direitos constitucionais (ver Alínea d), Ponto 2, Artigo 65 da Constituição da República Portuguesa, ainda que o Artigo 65 seja todo a propósito), que estão na realidade a melhorar a vossa comunidade. A resistência pacífica (deixar entrar mas não sair) é muito mais poderosa do que levar com a brigada de intervenção a arrombar a porta com caçadeiras na mão;

  6. Mantenham sempre que a casa estava aberta, que não sabem de nada, que não têm onde viver, que o dono não vos contactou, e que não destruíram nada. Podem tentar o bluff da autorização do dono, mas isto pode dar para o torto se a queixa em causa foi feita pelo próprio dono. Não vale a pena armarem-se em rebeldes e dizerem “habitação é um direito” e abanar as bandeiras okupas. Basta que sejam sinceros sobre a vossa situação: trabalho precário, desemprego, falta de oportunidades, problemas na família, são todas questões reais e que são muito mais importantes que justificar o penteado e as correntes;

  7. Só saiam quando o dono ou alguém à ordem dele vos mandar sair, de preferência com ordem de despejo. Não é preciso virem os goes para bater em toda a gente. Se querem que saiam e o fazem nos termos da lei, então peguem nas vossas coisas, saiam e ocupem um sítio novo. O que não falta é casas à espera de serem ocupadas.

Em relação à escolha da casa em si, é ideal que se faça uma investigação do passado do imóvel. Por exemplo, procurar o registo predial, pesquisar a morada online e obter contactos e depois fazer um phreaking, isto é, um hacking social. Telefonar e pedir informações sobre o imóvel sem dar identificação, justificar com coisas como “é para uma reportagem” ou “sou fotógrafo”, ou até, dependendo da situação, explorar a actividade antiga do imóvel. E.g., no SPCC, era da firma “SPC”, então contactámos a firma directamente para saber o que se passava com o edifício.

Também é util saber a actividade diária, mantendo vigília do local frequentemente antes da entrada. Isto permite saber se há agarrados na área e se o proprietário visita frequentemente o imóvel.

Mais uma vez, isto não é um filme, Portugal não é um país violento, nem é preciso andar aí armado em terrorista do black block. Habitação é um direito constitucional e os melhores ocupas que eu conheço são os velhos que vivem nas casas de guarda da CP, nas casas antigas das fábricas, etc, mas como não dizem que são okupas nem andam aí com t-shirts de anarquia, em vez de levarem porrada da polícia, dão-lhes comida e casa e apoio social. Qual é a diferença? Vale a pena ser extremista se somos permanentemente desalojados? A minha opinião é que não.

Este é o aviso legal (pdf) que tínhamos no SPCC. Podem copiá-lo à vontade e fazer as versões que quiserem. O site do SPCC está em baixo mas deve voltar em breve.

Boas ocupações!

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